quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Poesia na Roda

Carmem, que se deliciava com o cheiro do fogo, que gargalhava com a dança dos cabelos esvoaçando-se ao vento, que emudecia silenciosamente com o som das cordas do violão, nunca havia presenciado uma roda de pajadores.
O galpão era rude, simples. Aa tábuas largas e ásperas do assoalho estavam asseadas com esmero. As paredes de pau-a-pique, decoradas com costaneira da cor do tronco serrado, tinham janelas grandes de madeira grossa, mantidas fechadas para frear o vento. Ao passar porta pesada, que rangeu ao ser fechada já se sentia o odor da comida campeira que fervia nas panelas de ferro. Carmem parou. Inspirou profundamente: cheiro de temperos da horta sendo refogados, misturado com feijão mexido e charque. Adentraram o galpão, e encontraram o peão simpático que lhes recebeu com um cálice de vinho tinto seco, e lhes garantia que a uva roxa estava ali.
No fundo da sala, ardia um fogo e chão. Paus redondos grandes tinham uma ponta vermelha da brasa, e cruzavam em X para expandir a labareda. A cinza era tênue deixando as brasas viçosas se mostrarem faceiras para quem chegava. Para sentar, bancos rústicos forrados com pelegos macios. Todos estavam sentados em roda, volteando o fogo que estalava e cuspia faíscas nas botas dos viventes.
Carmem e Airam sentaram-se no banco, ladeadas pela senhora gorda com o casaco cheirando a picumã.
Ouviram um ponteio de violão, suave, tímido, e logo o rapaz de botas pretas, com chapéu de couro - que lhe cobria a metade da testa - de voz grave e bem postada, iniciou a poesia. Falava da tianga lindaça que deixara o amante no canto da sala para dançar com o índio que chegara no bolicho.... que era uma mistura de diaba e de santa, ... que quando ergue a pestana até a noite se ilumina...
Os versos, as poesias adentravam nos seus ouvidos na dança que a embalava e numa utopia misteriosa se misturavam ao cheiro das brasas, daquele fogo que esquentava os pés das moças que, mudas, ouviam o seu declamar.
Ele cheirava a um perfume amadeirado que com o calor do fogo e da emoção inundava o ambiente e embriagava o olfato daquelas duas e de todas as outras. Pisava tão firme quando se movia na declamação que balançava o assoalho. Os cálices de vinho tremulavam na mesa ao lado.
Parecia a presença de Deus. Carmem estava tão maravilhada que desejava que a noite não terminasse. Temia o fim do encantamento.
Enquanto rezava baixinho para que seu desejo se realizasse, sentiu uma mão aquecida que tocava na sua, e o perfume que chegava mais perto, e o cheiro mais forte...um rosto quente com a barba sem aparo e um leve roçar de lábios masculinos na sua face, seguido de um “com licença”.
Fernando sentou-se ao seu lado, e, sem largar sua mão, apresentou-se. Cumprimentou Airam com delicadeza, que foi saindo sorrateira para o outro lado da roda.
O dia despontava na outra banda do rio quando se despediram, deixando marcado o próximo encontro, bem antes da próxima rodada de poesia.

Bem Vindos

Homens e mulheres! Sejam bem vindos à minha janela. Descansem no seu parapeito. Embalecem-se nas redes das minhas idéias, das nossas... Acalalentem-se com a música. Esta aí. Esta mesmo que estás ouvindo.
Adrentem pelo portal e prossigam. Venham. Vamos trocar. Vamos aprender juntos. Vamos rir. Podemos chorar também. Haverá um lenço por aí. Entrelacemo-nos nas idéias, nas músicas, nas palavras, nos prantos e nas danças... e dancemos...

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