“A Mandarem Pesadona sorriu agradecida e começou a subir a lanolina seguinte do escândalo, gemendo a cada estalo dos delírios”
Mandarem Pesadona. Uma freira,misteriosa, de aparência casta, séria, brava, cruel até. Tudo o que fazia era reprimir qualquer gesto de alguém que se dispusesse a olhar para o lado onde houvesse pessoas normais. Cada canto do convento era chamado de algo que só ela sabia o que significava. Padres carrancudos, velhinhos curvados tossiam nos corredores ornados de trepadeiras. Ao fundo várias seqüências de “lanolina”.
Ninguém se olhava. Mal se cumprimentavam. Comiam em silêncio, cabisbaixos, no vasto refeitório como se todos fossem mudos e cegos. Ouvia-se o mastigar das carnes duras, dos amendoins torrados, dos biscoitos secos. As vezes, ouvia-se um martelo que quebrava a broa dura sobre a grande mesa de madeira escura. Nenhum dente agüentaria quebrar uma broa dormida de vários dias, torrada no grande forno arqueado de tijolos, construído no século passado, e que ainda servia para a manufatura da padaria do convento. Selma esquecia os biscoitos no forno que passavam do ponto, e ninguém conseguia parti-los com os dentes carcomidos pela idade.
Às quatro da manhã todos eram acordados com o sino que bradavam chamando-os à oração, ao que todos atendiam com reverência.
Às 6h já estavam na horta carpindo a terra para plantarem as sementes da estação, com as mãos congelados do frio dos pampas. A cada mudança de lua havia novas plantações recomendadas por Mandarem. Ela conferia o trabalho de todos enquanto cuspia na terra remexida pelo padre Pedro. Não olhava no rosto de ninguém. Nem, dirigia a palavra. Caminhava dura de cabeça erguida, como se todos ficassem a seus pés. Comia o tempo todo. Tinha no bolso do avental desde biscoitos duros até perna de frango assado que escondia do almoço, e ruminava o enquanto fiscalizava o serviço.
Na Pedra do Escândalo, ornada de crisântemos, havia uma corda grossa que servia de apoio a quem quisesse subir no jirau, local proibido para as mulheres.
Mandarem, subia enquanto todos dormiam, e lá permanecia enquanto apenas as estrelas, estáticas, testemunhavam o ocorrido. Os cachorros latiam enfurecidos, alertados pelos gemidos torpes e arrastados de Mandarem. O jirau de costaneira estalava com o movimento dos corpos de Mandarem e seu amante. A noite acabava rápido e ele partia, deixando-a embriagada pelo delírio do amor proibido.