quarta-feira, 29 de junho de 2011

Projeto: Mãos à Obra Literária
Inscrições abrem dia 01/07/2011
Oficina de criação Literária – modalidade contos/crônicas.
Onde: Na cidade de Osório.
Professor/Escritor: Alcy Cheuiche
Público a ser atingido: Adultos maiores de 50 anos de idade, podendo acolher 10% das vagas com pessoas de qualquer idade.
Quantidade de pessoas: Máximo de 20
Local: Câmara de Vereadores de Osório, sita à Av. Jorge Dariva, 1400, em Osório- RS
Dias da realização da Oficina: sextas-feiras das 14h30min às 17h30min
Período de realização: de 01 de julho a 11 de novembro de 2011
Formatura: 10/11/2011, na Câmara de vereadores de Osório.
Encerramento do Projeto: 03 de dezembro - a tempo de fazer o lançamento do livro na Feira do Livro de Osório.
Objetivos Gerais: Promover a cultura e a literatura no RS. Descobrir talentos, oportunizar descobertas, formar leitores e disseminar, cada vez mais, a cultura do livro. Instigar os alunos à pesquisa e ao interesse geral sobre o fazer literário.
Objetivos Específicos: Sensibilizar os alunos e oferecer-lhes condições a que produzam textos literários que tenham relevância, mérito e oportunidade de forma a oferecerem material literário que será utilizado em um livro a ser lançado nas feiras do Livro do Litoral Norte do RS e ainda promover a cidadania acolhendo os cidadãos maiores de cinquenta anos para o aprimoramento intelectual, para o agrupamento e para o pertencimento ao interessante mundo dos fazeres culturais.
Produção: 1000 exemplares
Distribuição: 30 unidades por aluno, 100 livros à patrocinadora(?), 100 livros para AELN, saldo para Câmara de Vereadores de Osório, para que faça distribuição gratuita à comunidade.
Estrutura Organizacional:
Promoção/Apoio: Câmara de Vereadores de Osório
Realização: Academia dos Escritores do Litoral Norte – RS
Patrocínio: CORAG
Produção Executiva: Almeri Espíndola de Souza
Apoio Administrativo/Contábil: Nova Prova (Simone Schlotfeldt)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Epílogo

A casa cor de rosa, com luzes que volteiam suas curvas antigas, dá uma sensação de feminino sagrado, de respeito pelo ventre, pelo seio.
Construída no alto da cidade, acompanhada pela sacralidade da Catedral Metropolitana que lhe faz companhia desde sempre; protegida pelos belos seguranças de olhos verdes e ternos pretos impecáveis, com braços longos e olhar atento. Permanecem postados quase estátuas na casa da frente. Ela está iluminada para lembrar que as fêmeas não devem morrer de câncer de mama. Saiu nos jornais e na televisão: o palácio do governo estaria iluminado de cor de rosa para reverenciar as mulheres e sua saúde. Acreditamos que esta casa, que nunca fora comandada por uma mulher, estaria atenta às causas femininas e suas circunstâncias. Não demorou muito para descobrirmos que desta mesma casa uma senhora, sua ilustre comandante, estaria autorizando a que seus homens fortes, de pesados uniformes verdes, usando capacetes resistentes, protegidos por escudos anti-bala e portando armas de todos os tipos, atirassem contra as mulheres trabalhadoras, lhes arrancassem pedaços de pele, expusessem seus ossos, e lhes humilhassem em público. Senhoras trabalhadoras, professoras, bancárias desarmadas ou senhoras sem emprego, sem teto, sem terra e sem armas.
A primeira mulher a comandar um estado, por natureza considerado machista, e berço de grandes homens, nos desonra mandando seus homens espancarem nossas mulheres e desrespeitarem o que há de mais sagrado numa democracia:os direitos individuais dos cidadãos. Esta primeira mulher que permitiu que uma bancária, dirigente sindical abrigada pela sombrinha da lei, fosse algemada em plena praça, em frente aos seus colegas, e levada até o batalhão de homens para lá permanecer presa por duas horas apenas por estar aquela moça reivindicando o que lhe é justo por lei e negado pelos homens.
A casa deveria estar de luto. É vergonhoso descer a rua da ladeira, e encontrar, na sede do Sindicato dos bancários, os jornais que mostram a truculência da governadora: uma mulher que mandou seus homens espancarem as mulheres desarmadas!

E há uma trilha, às vezes imaginária, às vezes real, que desce da casa de deus pela rua da ladeira e vai até as águas que foram límpidas do lago Rio Guaíba, passando pelas calçadas da rua da praia, e volteando a Praça da Alfândega. Por aqui morreram homens, suicidaram-se bancários, tiroteram soldados jovens e inocentes cidadãos. Dançaram senhoritas no Clube do Comércio, e hoje cheiram cola e roubam bolsas, os excluídos do capital. É neste cenário que mulheres bancárias inteligentes, que estudaram que passaram nos concursos públicos continuam a ser açoitadas por homens armados do governo. Há as Anas, as Natalinas que levam porretadas pelos homens do estado. Estas mulheres bancárias, que com sua inteligência , intuição e coragem sustentam famílias, amamentam seus filhos e atendem clientes do banco. Há ainda a Maria Fernanda que preside a Caixa, com sabedoria e visão de futuro, há a Sylvia que desbravou o universo masculino do Banrisul tornando-se uma funcionária como aqueles de calças compridas e bigodes esparramados; há Anas Helenas, Valerias, Rosas e Eloás que escrevem livros, as Marias ou Terezas que vendem flores e incensos enquanto as Espíndolas e Carmens vendem seus livros sob as barracas de lona da Feira do Livro. Há as que leem os livros, as que passeiam entre o povo que se desloca numa quinzena de primavera e formam fileiras serpenteando as tendas cheias de folhas escritas que hoje adornam aquele cenário outrora ensurdecido pelas balas dos farroupilhas , e que há pouco se envergonhava das algemas colocadas nos pulsos finos da dirigente sindical. A praça da alfândega continua sendo o cenário das vitórias e dos leitores, e acolhe aos que descem a romântica ladeira depois de terem passado em frente à casa amarela, iluminada pelas mentes sábias dos homens e mulheres que criaram um sindicato para lutar pelos direitos surrupiados pelos donos do dinheiro e do poder.
O caminho da casa da Deus até a margem do rio descansa na sombra dos jacarandás que ora floridos, ora pingando o orvalho que a noite lhes emprestou , adormece nas varandas rosadas da casa de cultura do velho Mário. Passa apressado pela casa antiga do correio do povo, já foi até a margem do rio molhar os pés na água límpida do rio, e sujar as mãos na areia branca que o homem escondeu sob as pedras e o cimento. Este caminho que foi testemunho da luta de um povo por liberdade e justiça continua entremeando a força contra a injustiça e a sabedoria dos literatos que iluminam as tardes com seus olhares de encanto sobre as milhares de páginas que se lhe oferecem sobre estantes rodeadas de moças e velhinhas.
Nem tudo é injustiça neste caminho cheio de glorias e lágrimas, onde um passado marcado por crueldade e um presente que ainda constrange aos de bem, se misturam e recebem, para regozijo da cultura gaúcha, o homem franzino, de olhos azuis, e sorriso tímido, com sua sabedoria magistral, para tornar-se o timoneiro da embarcação 54ª Feira do Livro de Porto Alegre. Charles Kiefer, um gaúcho daqueles que honram as tradições desta terra, será o Sepé Tiaraju na primeira quinzena de novembro e, do póduim imaginário da praça, dirá aos soldados da brigada que batem em mulheres, à mulher que ordenou esta vergonha, aos banqueiros que surrupiam a saúde dos bancários e o dinheiro do povo, aos estrangeiros que queimam nossas florestas e sugam nossos mananciais, que ESTA TERRA TEM DONO!
O velho Mário há de sorrir no encantamento de quem está imune a tudo isso, mas que já sentou nesta praça ao lado do amigo Erico e do Josué, e piscou para as moças que desfilaram faceiras na frente da confeitaria Matheus, e ainda confessou num daqueles instantes de paixão:

“Olho O Mapa o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Poesia na Roda

Carmem, que se deliciava com o cheiro do fogo, que gargalhava com a dança dos cabelos esvoaçando-se ao vento, que emudecia silenciosamente com o som das cordas do violão, nunca havia presenciado uma roda de pajadores.
O galpão era rude, simples. Aa tábuas largas e ásperas do assoalho estavam asseadas com esmero. As paredes de pau-a-pique, decoradas com costaneira da cor do tronco serrado, tinham janelas grandes de madeira grossa, mantidas fechadas para frear o vento. Ao passar porta pesada, que rangeu ao ser fechada já se sentia o odor da comida campeira que fervia nas panelas de ferro. Carmem parou. Inspirou profundamente: cheiro de temperos da horta sendo refogados, misturado com feijão mexido e charque. Adentraram o galpão, e encontraram o peão simpático que lhes recebeu com um cálice de vinho tinto seco, e lhes garantia que a uva roxa estava ali.
No fundo da sala, ardia um fogo e chão. Paus redondos grandes tinham uma ponta vermelha da brasa, e cruzavam em X para expandir a labareda. A cinza era tênue deixando as brasas viçosas se mostrarem faceiras para quem chegava. Para sentar, bancos rústicos forrados com pelegos macios. Todos estavam sentados em roda, volteando o fogo que estalava e cuspia faíscas nas botas dos viventes.
Carmem e Airam sentaram-se no banco, ladeadas pela senhora gorda com o casaco cheirando a picumã.
Ouviram um ponteio de violão, suave, tímido, e logo o rapaz de botas pretas, com chapéu de couro - que lhe cobria a metade da testa - de voz grave e bem postada, iniciou a poesia. Falava da tianga lindaça que deixara o amante no canto da sala para dançar com o índio que chegara no bolicho.... que era uma mistura de diaba e de santa, ... que quando ergue a pestana até a noite se ilumina...
Os versos, as poesias adentravam nos seus ouvidos na dança que a embalava e numa utopia misteriosa se misturavam ao cheiro das brasas, daquele fogo que esquentava os pés das moças que, mudas, ouviam o seu declamar.
Ele cheirava a um perfume amadeirado que com o calor do fogo e da emoção inundava o ambiente e embriagava o olfato daquelas duas e de todas as outras. Pisava tão firme quando se movia na declamação que balançava o assoalho. Os cálices de vinho tremulavam na mesa ao lado.
Parecia a presença de Deus. Carmem estava tão maravilhada que desejava que a noite não terminasse. Temia o fim do encantamento.
Enquanto rezava baixinho para que seu desejo se realizasse, sentiu uma mão aquecida que tocava na sua, e o perfume que chegava mais perto, e o cheiro mais forte...um rosto quente com a barba sem aparo e um leve roçar de lábios masculinos na sua face, seguido de um “com licença”.
Fernando sentou-se ao seu lado, e, sem largar sua mão, apresentou-se. Cumprimentou Airam com delicadeza, que foi saindo sorrateira para o outro lado da roda.
O dia despontava na outra banda do rio quando se despediram, deixando marcado o próximo encontro, bem antes da próxima rodada de poesia.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

A sacada Entreato

A sacada, por sabedoria ou desalento, se calou e serviu de amparo ao boêmio que nela se apoiara. Pequena é verdade, mas forte todavia. Sustentou a todos que dela se utilizaram para o desfrute. O louco via o caramanchão verde que sobre ela se debruçava. Os mendigos falavam palavras soltas. O cachorro passava quieto. A velha arrastava os chinelos. A lua maquiada de branco testemunhou o evento.

O poeta viu, sorriu e chamou a todos: Venham na sacada. Olhem a noite. Cheirem o verde. Enamorem-se da lua. Vieram todos. Encantaram-se, como se fosse aquela a ultima noite, como se fosse a última lua. Como se o jacarandá estivesse de partida.
Mas todos ficaram e, silentes, debruçaram-se no parapeito enquanto a noite escorregava sobre as pedras lisas da calçada.

Os namorados despediram-se tristonhos porque era hora de se recolher. O garçom fechara a porta. A rua vazia não tinha nenhum som. Nenhum barulho. Até o mendigo já se recolhera. O poeta permanecera embriagado no seu delírio poético. Uma brisa discreta lhe roçava o rosto, num bolero dançado pelo par de folhas que, enamoradas, se embalavam de um lado para o outro. Só o poeta ficou um pouco mais a fazer companhia a pequena sacada, que, aconchegante e acolhedora, também se recolhia no sossego da madrugada.

Foram-se todos embora. Até o poeta. E ela ficou ali sozinha. Acordada. Sacada não dorme.

Amanhã outros poetas virão. Outros loucos, ou bêbados. Também os namorados deverão vir. Os jovens, os cornos, as belas. E ela, a sacada, servirá a todos de colo para incendiarem seus sonhos, cantarem seus cantos, trocarem seus beijos, declamarem seus poemas e abraçarem seus amigos.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Luiz Pilla Vares

Um novo triunfo da esquerda

Recentemente Luis Bresser Pereira escreveu, na Folha de S.Paulo, um brilhante atestado de óbito do neoliberalismo. A América Latina já vinha revelando a inconformidade das massas, como demonstram as vitórias da esquerda no Brasil, na Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai, Equador e Venezuela, que formaram um bloco alternativo às políticas neoliberais do Império. Agora, temos o triunfo do ex-bispo Fernando Lugo, no Paraguai. E este, talvez, fosse o país mais difícil de dar um giro à esquerda. Afinal, foram 60 anos de dominação do Partido Colorado, com disseminação da corrupção em todos os níveis, com o crescimento de máfias e tolerância com o contrabando. O Partido Colorado praticamente se fundiu com o Estado, a tal ponto que a imensa maioria do funcionalismo público pertence ao partido que por seis décadas exerceu o poder. Nesse sentido, o triunfo de Fernando Lugo é expressivo, talvez a maior vitória da esquerda latino-americana nas últimas décadas.

Entretanto, sua tarefa no poder será gigantesca. Em primeríssimo lugar, desmontar décadas e décadas de corrupção e desmandos a partir do próprio Estado, devolver dignidade a este país, o segundo mais pobre da América do Sul e que já foi, antes da guerra contra a Tríplice Aliança, um dos mais desenvolvidos do continente, e hoje um dos mais explorados, um verdadeiro quintal para negócios escusos, éden do contrabando e das muambas. A vitória de Lugo, que surgiu para a política pela Teologia da Libertação, tem, pois, um significado imenso, revelando o descontentamento popular que estava submerso e que, afinal, encontrou um caminho para se expressar. Foi uma verdadeira revolução no voto que trouxe novas esperanças para o cansado povo guarani.

Assim, a solidariedade da esquerda latino-americana torna-se imprescindível, a começar pelo Governo brasileiro liderado pelo Presidente Lula. Com efeito, o Brasil tem sido historicamente cúmplice dos sucessivos governos corruptos do Partido Colorado e era normal e previsível que um giro à esquerda revelasse conflitos que estavam contidos na política hegemônica que o Brasil exercia em relação ao Paraguai, a começar pelo Tratado de Itaipu. O Brasil liderado pelo Presidente Lula não pode adotar uma atitude intransigente na discussão que se abre sobre Itaipu, especialmente porque as primeiras declarações de Fernando Lugo não são de confronto, mas de propostas de diálogo, justas, já que o que se coloca é a soberania paraguaia. Não se trata de anular o Tratado de Itaipu, mas, sim, de revisar alguns de seus aspectos no interesse do novo Paraguai que surgiu das urnas na semana passada. O Brasil não pode carregar o ônus de ser caracterizado pelo povo guarani de "país imperialista", principalmente porque o nosso atual governo não deve assumir as políticas anteriores de supremacia e arrogância diante de um país pobre e asfixiado política e economicamente.

Devemos, enfim, saudar mais esta vitória da esquerda na América do Sul. Devemos celebrar mais este golpe no neolioberalismo imposto pelos Estados Unidos, cada vez mais isolado em nosso continente que busca novas políticas e novas alternativas, afirmando uma soberania que esteve perdida por várias décadas. Hoje, praticamente o único governo que defende as políticas patrocinas por Bush é o de Uribe, na Colômbia, isolado diantes das promissoras alternativas que se abrem no Continente.

Por Luiz Pilla Vares.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Técnica de criação: Alterando um texto para criar um título

“A Mandarem Pesadona sorriu agradecida e começou a subir a lanolina seguinte do escândalo, gemendo a cada estalo dos delírios”

Mandarem Pesadona. Uma freira,misteriosa, de aparência casta, séria, brava, cruel até. Tudo o que fazia era reprimir qualquer gesto de alguém que se dispusesse a olhar para o lado onde houvesse pessoas normais. Cada canto do convento era chamado de algo que só ela sabia o que significava. Padres carrancudos, velhinhos curvados tossiam nos corredores ornados de trepadeiras. Ao fundo várias seqüências de “lanolina”.

Ninguém se olhava. Mal se cumprimentavam. Comiam em silêncio, cabisbaixos, no vasto refeitório como se todos fossem mudos e cegos. Ouvia-se o mastigar das carnes duras, dos amendoins torrados, dos biscoitos secos. As vezes, ouvia-se um martelo que quebrava a broa dura sobre a grande mesa de madeira escura. Nenhum dente agüentaria quebrar uma broa dormida de vários dias, torrada no grande forno arqueado de tijolos, construído no século passado, e que ainda servia para a manufatura da padaria do convento. Selma esquecia os biscoitos no forno que passavam do ponto, e ninguém conseguia parti-los com os dentes carcomidos pela idade.

Às quatro da manhã todos eram acordados com o sino que bradavam chamando-os à oração, ao que todos atendiam com reverência.

Às 6h já estavam na horta carpindo a terra para plantarem as sementes da estação, com as mãos congelados do frio dos pampas. A cada mudança de lua havia novas plantações recomendadas por Mandarem. Ela conferia o trabalho de todos enquanto cuspia na terra remexida pelo padre Pedro. Não olhava no rosto de ninguém. Nem, dirigia a palavra. Caminhava dura de cabeça erguida, como se todos ficassem a seus pés. Comia o tempo todo. Tinha no bolso do avental desde biscoitos duros até perna de frango assado que escondia do almoço, e ruminava o enquanto fiscalizava o serviço.

Na Pedra do Escândalo, ornada de crisântemos, havia uma corda grossa que servia de apoio a quem quisesse subir no jirau, local proibido para as mulheres.

Mandarem, subia enquanto todos dormiam, e lá permanecia enquanto apenas as estrelas, estáticas, testemunhavam o ocorrido. Os cachorros latiam enfurecidos, alertados pelos gemidos torpes e arrastados de Mandarem. O jirau de costaneira estalava com o movimento dos corpos de Mandarem e seu amante. A noite acabava rápido e ele partia, deixando-a embriagada pelo delírio do amor proibido.

domingo, 20 de abril de 2008

Meu personagem e a primeira bancária do Banrisul, Dona Silvia


Oficina de criação de Romance Histórico

Carmem se dispõe ao ir ao banco quando o dia está claro e de sol aberto. Se chover, ela delega sua missão à Filomena que pega seu guarda chuva riscado e sai abanando os panos.

Hoje as duas estavam tão empenhadas em decidir o destino da humanidade que resolveram ir juntas, para poderem continuar o assunto que as ocupa desde o jantar de ontem.

Carmem prende os seus longos cabelos encaracolados, passa um brilho nos lábios, pega sua bolsa de couro preta, engancha o braço no de Filomena, e às risadas, saem pela calçada. Atravessam a praça, evitando cruzar em baixo da figueira centenária que abriga uma numerosa família de lagartas verdes e gordas que se desprendem dos galhos e, com freqüência, se alojam no ombro de quem estiver passando em baixo.

Filomena grita histérica só de lembrar que aquele bicho nojento possa lhe tocar o corpo.

Atravessam a rua e entram no banco que está lotado. Tem uma multidão aglomerada em frente ao caixa. Mas elas precisam trocar o cheque que seu Ricardo deixou para as despesas da semana. Aproximam-se do balcão alto, arredondado que circunda toda a grande sala, dentro da qual estão os funcionários sentados, cada qual em sua mesa, com uma pilha de fichas sobre as mesmas. As máquinas “facit” cantam enlouquecidas dando conta dos resultados dos cálculos perseguidos pelos bancários. Na mesa da frente, uma enorme máquina “Burroughs” barulhenta engole umas fichas verdes grandes de papelão grosso, para depois expelí- las com os lançamentos registrados em tinta preta ou vermelha. Se for crédito o lançamento é feito em preto, se for débito é feito em vermelho. O saldo das contas também obedece este padrão. Francisco nem olha para o povo à sua frente, que se aglomera no balcão enquanto espero o atendimento. Com o cigarro sempre preso ao canto da boca e um olho fechado para que a fumaça não lhe faça derramar lágrima, ele insere uma ficha logo que a outra sai daquela geringonça.

Dona Silvia, com a elegância que lhe é peculiar, cumprimenta som um sorriso, cada um que lhe dirige o olhar naquela imensidão de pessoas.

Carmem, enfim, consegue entregar o cheque ao Roberto, que sempre lhe diz uma brincadeira tentando se identificar de forma bem humorada, respeitando a cegueira de Carmem. Roberto destaca o canhoto do cheque e solicita que ela - com Filomena pelo braço- se dirija ao Caixa, e recomenda:O número do cheque é 328 415, não esquece. Quando chamarem este número tu deves de apresentar na boca do caixa.

Carmem fica esperando lhe chamarem enquanto Filomena vai lhe dando o relato do que ocorre em seu entorno. Primeiro descreve a cor azul da blusa de seda que Dona Silvia, elegantemente, veste. Comenta que seus óculos são modernos, e que o sapato combina com a blusa, enquanto Dona Silvia alheia aos comentários, atende o Sr Jaquim, Diretor da Flosul que é a grande empresa que está chegando na região e desenvolvendo uma plantação de pinos “illiottis” para extração de madeira. Informa-lhe que o Banco tem uma carteira de títulos e descontos. Que as madeiras vendidas poderão ser pagas através da carteira de títulos. Que as taxas variam de acordo com o montante dos negócios realizados. Diz que o sistema é mais seguro porque, em caso de inadimplência, o próprio banco encaminha para cobrança no cartório. Dona Silvia fala com propriedade sobre descontos por dentro, descontos por fora, de valor líquido de valor bruto, de montante de carteira de títulos, o que as duas escutam e não entendem nada.

Ao se aproximarem do caixa, encontram Maria Helena, professora aposentada que vai ao banco todos os dias porque acha que lá é um ambiente onde as pessoas ficam mais instruídas. Cumprimenta dona Silvia com reverência, e emenda a conversa dirigindo-se às duas: Eu fui professora minha vida toda. Estudei muito, fiz até pós graduação em Ijui, mas jamais me senti mais próxima do que do pé da Dona Silvia. Olha o que é a beleza, a soberania de falar de “títulos, de descontos, de inadimplência”, coisas que sabemos o que é porque consultamos o dicionário, mas que no nosso dia-a-dia jamais iremos usar. Eu nem saberia usar corretamente estas palavras dentro da frase.

Carmem retruca: Mas a senhora é uma pessoa tão culta, sabe tanto. E todas as pessoas que foram seus alunos sempre contam verdadeiras maravilhas sobre ser seu aluno. Sobre o quanto a senhora sempre soube mais que as outras professoras.

Eu sempre me esforcei, minha filha. Mas professora é como dona de casa. Nunca é mais que isso: Cuida de crianças, ensina-lhes bons hábitos, ensina-lhes a rezar. Houve choros, aparta brigas. Nunca trata com um executivo falando de “inadimplência”. Eu acho que trabalho nobre é este no banco. A dona Silvia trabalha de salto alto, com unhas grandes e pintadas, com os cabelos sempre bem arrumados com laquê para garantir a manutenção do penteado. Usa blusas de seda combinando com o sapato. E o que pode usar um professora? Unhas comidas pelo giz, sapatos baixos para poder correr atrás das crianças, calças largas e compridas para poder sentar no chão e se comunicar “com nossos clientes”. E a linguagem? Sempre usando palavras conhecidas para não ter de explicar tudo direitinho do que se trata! Eu gosto de coisas rebuscadas. De palavras que os homens usam. Destes termos mercadológicos. Se eu voltar a esta vida, quero ser bancária porque eu acho a profissão mais chique que conheço. Desde que Dona Silvia veio para esta agência o banco tomou uma cara de palácio, com sua rainha reinando soberana, abanando suas sedas e exalando seu perfume francês.

O Caixa chama o cheque 328415, Carmem, com Filomena pelo braço, chegam a boca do caixa, recebem e contam: CR$2.000,00 (Dois mil cruzeiros). Botam na bolsa, dão dos beijinhos em Dona Maria Helena, acenam um adeus gentil para dona Silvia e vão para o seu di-a-dia: espiar na janela o que acontece do outro lado do mundo.

Bem Vindos

Homens e mulheres! Sejam bem vindos à minha janela. Descansem no seu parapeito. Embalecem-se nas redes das minhas idéias, das nossas... Acalalentem-se com a música. Esta aí. Esta mesmo que estás ouvindo.
Adrentem pelo portal e prossigam. Venham. Vamos trocar. Vamos aprender juntos. Vamos rir. Podemos chorar também. Haverá um lenço por aí. Entrelacemo-nos nas idéias, nas músicas, nas palavras, nos prantos e nas danças... e dancemos...

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